Uma pesquisa inédita está sendo desenvolvida na Universidade Regional de Blumenau (FURB). A estudante da 7ª fase do curso de Medicina, Sheila Wayszceyk, sob orientação da professora Débora Delwing Dal Magro, doutora em Ciências Biológicas (Bioquimica) pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), está pesquisando para o seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), o uso do canabidiol (CBD) no tratamento do Transtorno do Espectro Autista (TEA).
Esta é a primeira pesquisa do Brasil a estudar a substância associada ao tratamento de comportamentos do autismo. De acordo com o Ministério da Saúde, o TEA é um distúrbio do neurodesenvolvimento caracterizado por desenvolvimento atípico, manifestações comportamentais, déficits na comunicação e na interação social, padrões de comportamentos repetitivos e estereotipados, podendo apresentar um repertório restrito de interesses e atividades.
A professora Débora explica que dentro deste espectro acontecem várias alterações comportamentais importantes. “Algumas crianças apresentam de forma menos significativa, outras de forma mais intensa, mas pode acontecer agressividade, hiperatividade. Às vezes é uma agressividade contra si próprio, em outras a criança não compreende o ambiente de forma adequada e tenta reagir a algum estímulo. Nós queremos, com o canabidiol, ter um efeito comportamental que torne essa criança, ou até mesmo adulto, mais tranquilo, menos agressivo e que dessa forma esse paciente possa ter um melhor desenvolvimento”.
As pesquisadoras afirmam que o autismo já é muito estudado, principalmente na parte comportamental e psicológica, mas pouco na parte medicamentosa. “O que nós temos são muitos medicamentos antipsicótico e antidepressivo e aí surgiu a ideia de trabalhar com uma planta natural”, diz Sheila. Além da parte comportamental do autismo, a pesquisa vai avaliar a parte molecular, porém, o objetivo principal das pesquisadoras é identificar doses seguras da substância. “Uma vez encontrada essa dose, ela poderia ser utilizada por crianças, pré-adolescentes e adultos para atuar principalmente nessa parte de comportamento”, afirma a professora Débora.
Indução ao autismo
Na pesquisa, realizada com ratos, a estudante precisa induzir o autismo nos animais. “Já são muito sedimentados na literatura os estudos afirmando que o ácido valpróico pode, sim, ser uma das causas do autismo. Então, a gente transfere esse exemplo humano para os animais. Nós recebemos as fêmeas no biotério setorial por volta do segundo, terceiro dia de gestação e no décimo segundo dia, que também já está na literatura, nós aplicamos o ácido e esperamos que os filhotes dessas fêmeas nasçam com comportamento tipo autista”, explica Sheila. Metade das fêmeas recebe o ácido e a outra metade recebe soro fisiológico, para formar o chamado grupo de controle.
Atualmente, Sheila está com 81 ratinhos, destes, 39 (todos machos) nasceram com comportamento tipo autista. Para comprovar que o rato nasceu com o comportamento, uma série de testes são feitos. “A gente faz testes comportamentais, como o campo aberto e interação social. Esse rato, com comportamento tipo autista, quando nós o colocamos nessas caixas, a gente espera que, antes do canabidiol, eles tenham um comportamento repetitivo de limpeza muito acentuado, que eles fiquem em duas patas por muito tempo, repetidas vezes, que eles não queiram explorar o território novo. Nós chamamos essas atitudes de comportamento ansioso.
Após o canabidiol, a gente espera que esse comportamento ansioso reduza”, explica a pesquisadora. E a estudante tem boas notícias: “nós tivemos uma primeira remessa de animais testados e podemos dizer que o canabidiol está, sim, auxiliando no comportamento ansioso dos animais tipo autista quando eles são colocados em um ambiente novo”. Por utilizar animais em seus estudos, a pesquisa passou por avaliação e recebeu aprovação do Comitê de Ética da Universidade Regional de Blumenau.
Repetição
Após o tratamento com canabidiol, os testes comportamentais são repetidos para avaliar se a substância fez efeito. Depois, as pesquisadoras também fazem testes no organismo do animal. “Após esse segundo teste comportamental, nós coletando material e fazemos a análise do estresse oxidativo e metabolismo energético. Essa parte do estresse oxidativo é algo novo na literatura, ninguém nunca fez na questão do autismo. Nós queremos descobrir se os radicais livres estão envolvidos na etiologia do autismo e se nós podemos contribuir com um futuro tratamento ou uma pesquisa na parte de radicais livres e antioxidantes na dosagem do nosso estresse oxidativo aqui”. Depois dessa fase de testes, a estudante ainda terá bastante trabalho, pois iniciam as análises estatísticas e a parte de escrita do trabalho. Mas ela espera que a pesquisa possa contribuir para o desenvolvimento de pessoas que nascem com o TEA. “Eu espero que a minha pesquisa possa responder, futuramente, em uma pesquisa clínica, quem sabe, qual a dosagem terapêutica correta do canabidiol que possa auxiliar no comportamento autista”.
Parcerias
A pesquisa conta com duas importantes parcerias: a professora doutora Daniela Delwing de Lima, da Universidade da Região de Joinville, a Univille e a professora doutora Ângela Wyse, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). “Essas parcerias são super importantes porque nos permitem avançar nos estudos. Técnicas que não conseguimos aplicar aqui, por exemplo, podemos avaliar em outros laboratórios”, destaca a professora Débora.
Grupo de pesquisas
Pesquisas como essa são fundamentais para o desenvolvimento da sociedade, avanço em tratamentos de saúde, descoberta de novos remédios e até cura para doenças. A professora Débora é coordenadora do grupo de pesquisa da FURB “Neurociências e Comportamento”, que desenvolve outros estudos relevantes. “Através de vários testes, vários parâmetros, nós tentamos entender quais são os mecanismos que estão envolvidos na fisiopatologia de uma série de doenças, especialmente aquelas que acometem o sistema nervoso central, como, por exemplo, a depressão, doença de Parkinson, agora o autismo e, além dessas, algumas doenças metabólicas, como o diabetes mellitus. A gente tenta, através do uso da natureza, extrair extratos, frações e compostos de plantas que possam ser testados biologicamente e buscamos efeitos biológicos através de modelos animais para sabermos se eles terão algum benefício ou não”, observa a professora.