Até recentemente, Brett Schickler nunca imaginou que poderia ser um autor publicado, embora tivesse sonhado com isso. Mas depois de aprender sobre o programa de inteligência artificial ChatGPT, Schickler imaginou que uma oportunidade havia caído em seu colo.
“A ideia de escrever um livro finalmente parecia possível”, disse Schickler, um vendedor em Rochester, Nova York. “Eu pensei: ‘Eu posso fazer isso’.”
Usando o software de IA, que pode gerar blocos de texto a partir de simples prompts, Schickler criou um e-book infantil ilustrado de 30 páginas em questão de horas, oferecendo-o para venda em janeiro através da Amazon.com unidade de autopublicação.
Na edição, Sammy, o Esquilo, renderizado também usando IA, aprende com seus amigos da floresta sobre economizar dinheiro depois de se deparar com uma moeda de ouro. Ele cria um cofrinho em forma de bolota, investe em um negócio de comércio de bolota e espera um dia comprar uma pedra de moagem de bolota.
Sammy se torna o esquilo mais rico da floresta, a inveja de seus amigos e “a floresta começou a prosperar”, de acordo com o livro.
“The Wise Little Squirrel: A Tale of Saving and Investing”, disponível na loja Amazon Kindle por US$ 2,99 (cerca de R$ 16) – ou US$ 9,99 para uma versão impressa – rendeu à Schickler menos de US$ 100, disse ele. Embora isso possa não parecer muito, é o suficiente para inspirá-lo a compor outros livros usando o software.
“Eu podia ver as pessoas fazendo uma carreira inteira com isso”, disse Schickler, que usou prompts no ChatGPT como “escrever uma história sobre um pai ensinando seu filho sobre alfabetização financeira”.
Schickler está na vanguarda de um movimento que testa a promessa e as limitações do ChatGPT, que estreou em novembro e vem causando polêmicas por sua incrível capacidade de criar blocos convincentes de texto instantaneamente.
Havia mais de 200 e-books na loja Kindle da Amazon em meados de fevereiro, listando o ChatGPT como autor ou coautor, incluindo “Como escrever e criar conteúdo usando o ChatGPT”, “O Poder da Lição de Casa” e a coleção de poesia “Ecos do Universo”. E o número vem aumentando diariamente. Há até um novo subgênero na Amazon: Livros sobre o uso do ChatGPT, escritos inteiramente pelo ChatGPT.
Mas, devido à natureza do ChatGPT e à falha de muitos autores em divulgar que o usaram, é quase impossível obter uma contabilidade completa de quantos e-books podem ser escritos pela IA.
O surgimento do software já irritou algumas das maiores empresas de tecnologia, levando a Alphabet Inc. e Microsoft Corp. estrear apressadamente novas funções no Google e no Bing, respectivamente, que incorporem IA.
A rápida adoção do ChatGPT pelos consumidores estimulou a atividade frenética nos círculos de tecnologia, à medida que os investidores despejam dinheiro em startups focadas em IA e dão às empresas de tecnologia um novo propósito em meio à escuridão de demissões em massa. A Microsoft, por exemplo, recebeu uma cobertura bajuladora este mês sobre seu mecanismo de busca Bing, de outra forma moribundo, depois de demonstrar uma integração com o ChatGPT.
Mas já existem preocupações com a autenticidade, porque o ChatGPT aprende a escrever digitalizando milhões de páginas de texto existente. Um experimento com IA pela CNET resultou em várias correções e aparente plágio antes que o site de notícias de tecnologia suspendesse seu uso.
AMEAÇA AOS AUTORES “REAIS”?
Agora, o ChatGPT parece pronto para revolucionar a indústria de livros, já que aspirantes a romancistas e gurus de autoajuda que procuram ganhar um dinheiro rápido estão se voltando para o software para ajudar a criar e-books feitos por bots e publicá-los através do braço Kindle Direct Publishing da Amazon. Livros infantis ilustrados são os favoritos de tais autores de primeira viagem. No YouTube, centenas de tutoriais do TikTok e do Reddit surgiram, demonstrando como fazer um livro em apenas algumas horas. Os assuntos incluem esquemas de enriquecimento rápido, conselhos de dieta, dicas de codificação de software e receitas.
“Isso é algo com que realmente precisamos nos preocupar, esses livros inundarão o mercado e muitos autores ficarão sem trabalho”, disse Mary Rasenberger, diretora executiva do grupo de escritores Authors Guild. A chamada escrita fantasma (Ghostwriting) – por humanos – tem uma longa tradição, disse ela, mas a capacidade de automatizar por meio da IA pode transformar a escrita de livros de um ofício em uma mercadoria.
“É preciso haver transparência dos autores e das plataformas sobre como esses livros são criados ou você vai acabar com muitos livros de baixa qualidade”, disse ela.
Um autor, que atende por Frank White, mostrou em um vídeo do YouTube como em menos de um dia ele criou uma novela de 119 páginas chamada “Galactic Pimp: Vol. 1” sobre facções alienígenas em uma galáxia distante em guerra por um bordel com pessoal humano. O livro pode ser adquirido por apenas US$ 1 (cerca de R$ 5,20) na loja de e-books Kindle da Amazon. No vídeo, White diz que qualquer pessoa com os meios e o tempo poderia criar 300 desses livros por ano, todos usando IA.
Muitos autores, como White, não sentem o dever de divulgar na loja Kindle que seu grande romance americano foi escrito por atacado por um computador, em parte porque as políticas da Amazon não o exigem.
Quando solicitada a comentar pela Reuters, a Amazon não abordou se tinha planos de mudar ou revisar suas políticas de loja Kindle em torno do uso de IA ou outras ferramentas de escrita automatizadas pelos autores. “Todos os livros na loja devem aderir às nossas diretrizes de conteúdo, inclusive cumprindo os direitos de propriedade intelectual e todas as outras leis aplicáveis”, disse a porta-voz da Amazon, Lindsay Hamilton, por e-mail.
Uma porta-voz da OpenAI, desenvolvedora do ChatGPT, se recusou a comentar na reportagem.
DA CONCEPÇÃO À PUBLICAÇÃO EM POUCAS HORAS
A Amazon é de longe a maior vendedora de livros físicos e eletrônicos, comandando bem mais da metade das vendas nos Estados Unidos e, segundo algumas estimativas, mais de 80% do mercado de e-books. Seu serviço Kindle Direct Publishing gerou uma indústria caseira de romancistas autopublicados, criando nichos específicos para entusiastas de conteúdo erótico e livros de autoajuda.
A Amazon criou a Kindle Direct Publishing em 2007 para permitir que qualquer pessoa venda e comercialize um livro de seu sofá sem o incômodo ou a despesa de procurar agentes literários ou editoras. Geralmente, a Amazon permite que os autores publiquem instantaneamente através da unidade sem qualquer supervisão, dividindo os recursos que geram.
O interesse do consumidor até agora tem sido reconhecidamente lento: Banc disse que as vendas totalizaram cerca de uma dúzia de cópias. Mas os leitores o classificaram como digno de cinco estrelas, incluindo um que elogiou seus “personagens maravilhosos e memoráveis”.
Desde então, Banc publicou mais dois livros gerados por IA, incluindo um livro de colorir para adultos, com mais deles em andamento. “Na verdade, é muito simples”, disse ele. “Fiquei surpreso com a rapidez com que passou do conceito à publicação.”
Nem todo mundo fica impressionado com o software. Mark Dawson, que teria vendido milhões de cópias de livros que ele mesmo escreveu através da Kindle Direct Publishing, foi rápido em chamar os romances assistidos pelo ChatGPT de “maçantes” em um e-mail para a Reuters.
“O mérito desempenha um papel na forma como os livros são recomendados a outros leitores. Se um livro recebe críticas ruins porque a escrita é maçante, então ele vai rapidamente afundar.”
Reportagem de Greg Bensinger em São Francisco Edição de Kenneth Li e Matthew Lewis, da Reuters.
